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1. Introito

O objetivo destes comentários é discorrer a respeito do INCC – Índice Nacional dos Custos da Construção Civil e sua aplicação nos contratos imobiliários.
Para tanto, algumas considerações sobre os contratos e alguns de seus princípios são importantes, como é relevante o estudo dos diversos índices de atualização existentes no país.

2. Dos índices existentes

No Brasil encontramos uma grande quantidade de índices de atualização monetária.
Assim, podemos citar os seguintes:
a) IGP: Índice Geral de Preços, calculado pela Fundação Getulio Vargas. É uma média ponderada do índice de preços no atacado (IPA), com peso seis; de preços ao consumidor (IPC) no Rio de Janeiro e São Paulo, com peso três; e do custo da construção civil (INCC), com peso um. Usado em contratos de prazo mais longo, como aluguel.
b) IPA: Índice de Preços por Atacado, calculado pela FGV, com base na variação dos preços no mercado atacadista. Este índice é calculado para três intervalos diferentes e compõe os demais índices calculados pela FGV (IGP-M, IGP-DI e IGP-10) com um peso de 60%. 
c) IGP-DI: Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna, da FGV, índice que tenta refletir as variações mensais de preços, pesquisados do dia 01 ao último dia do mês corrente. Ele é formado pelo IPA (Índice de Preços por Atacado), IPC (Índice de Preços ao Consumidor) e INCC (Índice Nacional do Custo da Construção), com pesos de 60%, 30% e 10%, respectivamente. O índice apura as variações de preços de matérias-primas agrícolas e industriais no atacado e de bens e serviços finais no consumo.
d) IGP-M: Índice Geral de Preços do Mercado, também produzido pela FGV, com metodologia igual à utilizada no cálculo do IGP-DI. A principal diferença é que, enquanto este abrange o mês fechado, o IGP-M é pesquisado entre os dias 21 de um mês e 20 do mês seguinte. Foi criado por solicitação de entidades do setor financeiro que, diante das mudanças frequentes promovidas pelo governo nos índices oficiais de inflação na década de 1980, desejavam um índice com mais credibilidade e independência. O contrato de prestação de serviços entre essas entidades e a FGV foi celebrado em maio de 1989. 
e) IGP-10: Índice Geral de Preços 10, também da FGV, é elaborado com a mesma metodologia do IGP e do IGP-M, mudando apenas o período de coleta de preços: entre o dia 11 de um mês e o dia 10 do mês seguinte.
f) IPC-RJ: Índice preços ao Consumidor - Rio de Janeiro, índice que considera a variação dos preços na cidade do Rio de Janeiro, calculado mensalmente pela FGV e que toma por base os gastos de famílias com renda de um a 33 salários mínimos.
g) IPC-Fipe: Índice de Preços ao Consumidor da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, índice da Universidade de São Paulo (USP), pesquisado no município de São Paulo, que tenta refletir o custo de vida de famílias com renda de 1 a 20 salários mínimos, divulga também taxas quadrissemanais. No cálculo são utilizados sete grupos de despesas: habitação (32,79%), alimentação (22,73%), transportes (16,03%), despesas pessoais (12,30%), saúde (7,08%), vestuário (5,29%) e educação (3,78%).O IPC/FIPE mede a variação de preços para o consumidor na cidade de São Paulo com base nos gastos de quem ganha de um a vinte salários mínimos. Os grupos de despesas estão compostos de acordo com o POF (Pesquisas de Orçamentos Familiares) em constante atualização. A estrutura de ponderação atual é restrita a assinantes e pode ser verificada no portal da FIPE após a assinatura semestral. De maneira geral a ponderação é similar ao INPC/IBGE e IPCA/IBGE. O período de pesquisa das variações de preços ocorre a partir do primeiro ao último dia de cada mês. A publicação dos índices ocorre normalmente no período de dez a vinte do mês subsequente. A FIPE divulga também as variações de preços das últimas quatro semanas imediatamente anteriores. Deste modo este índice evita sustos e indica tendências fortes das variações de preços principalmente da camada de renda da população analisada. A FIPE divulga o IPC desde Fevereiro de 1939. O índice de Preços ao Consumidor do Município de São Paulo é o mais tradicional indicador da evolução do custo de vida das famílias paulistanas e um dos mais antigos do Brasil. Começou a ser calculado em janeiro de 1939 pela Divisão de Estatística e Documentação da Prefeitura do Município de São Paulo. Em 1968, a responsabilidade do cálculo foi transferida para o Instituto de Pesquisas Econômicas da USP e, posteriormente em 1973, com a criação da FIPE, para esta instituição.
h) IPC-IEPE: O Índice de Preços ao Consumidor do Centro de Estudos e Pesquisas Econômicas da UFRGS é pesquisado no município de Porto Alegre, com 281 itens com grande frequência de compra. O IPC/FIPE mede a variação de preços para o consumidor na cidade de São Paulo com base nos gastos de quem ganha de um a vinte salários mínimos. Os grupos de despesas estão compostos de acordo com o POF (Pesquisas de Orçamentos Familiares) em constante atualização. A estrutura de ponderação atual é restrita a assinantes e pode ser verificada no portal da FIPE http://www.fipe.com.br após a assinatura semestral. De maneira geral a ponderação é similar ao INPC/IBGE e IPCA/IBGE. O período de pesquisa das variações de preços ocorre a partir do primeiro ao último dia de cada mês. A publicação dos índices ocorre normalmente no período de dez a vinte do mês subsequente. A FIPE divulga também as variações de preços das últimas quatro semanas imediatamente anteriores. Deste modo este índice evita sustos e indica tendências fortes das variações de preços principalmente da camada de renda da população analisada. A FIPE divulga o IPC desde Fevereiro de 1939. O índice de Preços ao Consumidor do Município de São Paulo é o mais tradicional indicador da evolução do custo de vida das famílias paulistanas e um dos mais antigos do Brasil. Começou a ser calculado em janeiro de 1939 pela Divisão de Estatística e Documentação da Prefeitura do Município de São Paulo. Em 1968, a responsabilidade do cálculo foi transferida para o Instituto de Pesquisas Econômicas da USP e, posteriormente em 1973, com a criação da FIPE, para esta instituição.
i) ICV-DIEESE: Índice do Custo de Vida, publicado pelo DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), também medido na cidade de São Paulo e que reflete o custo de vida de famílias com renda média de R$ 2.800 (há ainda índices para a baixa renda e a intermediária).
j) INPC: Índice Nacional de Preços ao Consumidor, média do custo de vida nas nove principais regiões metropolitanas do país para famílias com renda de um até seis salários mínimos, medido pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Compõe-se do cruzamento de dois parâmetros: a pesquisa de preços de nove regiões de produção econômica, cruzada com a pesquisa de orçamento familiar (POF) que abrange famílias com renda de um a seis salários mínimos. As regiões e ponderações são as seguintes:
São Paulo - 28,46%.
Rio de Janeiro - 12,52%.
Belo Horizonte - 11,36%. 
Salvador - 9,10%. 
Porto Alegre - 7,83%. 
Recife - 7,10%. 
Brasília - 6,92%. 
Fortaleza - 5,61%. 
Belém - 4,20%. 
k) IPCA: Índice de Preços ao Consumidor Amplo, também do IBGE, calculado desde 1980, semelhante ao INPC, porém refletindo o custo de vida para famílias com renda mensal de 1 a 40 salários mínimos. A pesquisa é feita nas mesmas nove regiões metropolitanas, tendo sido escolhido como alvo das metas de inflação (inflation targeting) no Brasil.
l) INCC: Índice Nacional de Custos da Construção, um dos componentes das três versões do IGP, o de menor peso. Reflete o ritmo dos preços de materiais de construção e da mão de obra no setor. Utilizado em financiamento direto de construtoras e incorporadoras.
m) CUB: Custo Unitário Básico, índice que reflete o ritmo dos preços de materiais de construção e da mão de obra no setor, que é calculado por sindicatos estaduais da indústria da construção, chamados de Sinduscon, e usado em financiamentos de imóveis.

3. Origem

Como vimos, o INCC tem por escopo a variação do custo da produção imobiliária. Ele é medido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), fundada em 1947, cujo conceito é do conhecimento de todos não existindo comentários ou qualquer informação que tenha desmerecida a referida fundação no campo econômico.
Os dados utilizados para a definição do percentual de reajuste são as verificações realizadas diretamente no campo produtivo de insumos, nas revendas, nas obras e no mercado básico imobiliário. 
O índice não é unilateral. 
Não é decorrente de entidades que congregam o setor de construção civil. É um índice editado por entidade que está equidistante de todos os interessados que participam no mercado imobiliário. Podemos dizer que é insuspeito como bem acentuou o Tribunal de Justiça de Minas Gerais na medida em que O INCC (Índice Nacional de Custo da Construção) é elaborado pela Fundação Getúlio Vargas que afere a evolução dos custos de construções habitacionais, sendo isento de interesses dos sindicatos e de seus membros, podendo desta forma ser utilizado como índice de correção nos contratos de compra e venda de imóvel até o momento da concessão do habite-se .
A base de cálculo é o valor total do financiamento menos o montante já pago = saldo devedor; número total de parcelas, menos as parcelas já pagas = parcelas a pagar; valor da prestação.
O cálculo do INCC prevê que o saldo devedor, multiplicado pela variação do INCC; resultado da multiplicação: saldo devedor x variação INCC dividido pelo número de parcelas a pagar = montante a acrescentar na prestação.
Exemplificando: para um financiamento no total de R$ 30 mil, com duas prestações pagas, o saldo devedor é igual a R$ 29.400. Contratado o financiamento para quitação em 100 meses, resta pagar 98 prestações. Multiplicado o saldo devedor pelo INCC de junho/2010 (1,77%), por exemplo, é encontrado o valor: R$ 520,38. Este valor, dividido pelo número de parcelas a pagar (98), traz como resultado: R$ 5,31. Significa que a parcela do exemplo, de R$ 300, será reajustada em R$ 5,31, totalizando, portanto, R$ 305,31.
Teoricamente, o cálculo para o reajuste pelo INCC deveria ser feito sobre o saldo devedor isento de juros de financiamento e demais taxas incidentes sobre o mesmo. Uma boa prática é solicitar que a cláusula contratual, referente ao reajuste durante a execução da obra, seja clara ao informar sobre como será aplicada a variação do INCC.
Após o imóvel pronto e uma vez expedido o Habite-se, o indexador comumente utilizado para reajustar o valor da prestação é o Índice Geral de Preços - Mercado (IGP-M).
Os componentes do IGP-M: Índice de Preços no Atacado (IPA), com peso de 60% na composição: Índice de Preços ao Consumidor (IPC), com peso de 30%; e Índice Nacional de Custo da Construção (INCC), com peso de 10%.

4. O fundamento legal para a adoção do INCC 

4.1. Prolegômenos

A adoção pelos contratantes de reajuste anual por índices que reflitam a variação dos custos de produção e de insumos tem previsão na Lei n. 10.192, de 14/02/2001 (trata das medidas complementares ao Plano Real), que no seu artigo 2º, dispõe: “É admitida estipulação de correção monetária ou de reajuste por índices de preços gerais, setoriais ou que reflitam a variação dos custos de produção ou dos insumos utilizados nos contratos de prazo de duração igual ou superior a um ano .
Portanto, a lei permite a utilização do princípio da autonomia privada ou autonomia da vontade para a fixação do INCC.
Em outras palavras, a autonomia da vontade prevista no artigo 421 do Código Civil permite a fixação do INCC, sendo uma estipulação perfeitamente legal, desde que utilizado enquanto vinculado à produção imobiliária, ou seja, durante o período de construção do imóvel objeto das prestações. 

4.2. Da autonomia privada ou da vontade

No nosso Curso de direito civil: das pessoas, dos bens e dos fatos jurídicos tratamos desse importante princípio que é a autonomia privada que norteia a realização de inúmeros contratos no âmbito legal e social, e porque entendemos relevante, alguns considerações aqui reproduziremos.
A vontade na constituição do ato jurídico tem importância marcante e, por isso, há, entre nós, o princípio da autonomia da vontade (artigo 1.079 do Código Civil de 1916 e artigo 421 do Código Civil atual).
A autonomia da vontade consiste no poder dos sujeitos da relação jurídica de estipular livremente, como bem entenderem, a disciplina de seus interesses.
Ela surgiu com a Revolução Francesa, inicialmente com a frase laissez-faire (deixem-nos em paz) ou (deixai fazer, deixai passar, o mundo caminha por si só) para culminar com a frase gritada pelos revolucionários franceses: Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
Essa situação de liberdade ficou bastante clara no Código Civil francês de 1804, como muito bem ressaltou Leo Hubermann : “O exame do Código Napoleônico deixa isso bem claro. Destinava-se evidentemente a proteger a propriedade – não a feudal, mas a burguesa. O código tem cerca de 2.000 artigos, dos quais apenas 7 tratam do trabalho e cerca de 800 da propriedade privada. Os sindicatos e as greves são proibidos, mas as associações de empregadores permitidas. Numa disputa judicial sobre salários, o código determina que o depoimento do patrão, e não do empregado, é que deve ser levado em conta. O código foi feito pela burguesia e para a burguesia: foi feito pelos donos da propriedade para a proteção da propriedade”.
No mesmo diapasão, explica Marilena Chauí : “Com as ideias de direito natural dos indivíduos e de sociedade civil (relações entre indivíduos livres e iguais por natureza), quebra-se a ideia de hierarquia. Com a ideia de contrato social (passagem da ideia de pacto de submissão à de pacto social entre indivíduos livres e iguais) quebra-se a ideia da origem dividida do poder e da justiça fundada nas virtudes do bom governante”.
O Código Civil francês, como modelo da Revolução liberal, influenciou todas as demais legislações civis, como o Código Civil suíço de 1812, o português de 1867, o alemão de 1900, o japonês de 1898, o brasileiro de 1916, o chinês de 1928, o italiano de 1942, etc.
O Código Civil de 1916 adotou integralmente a teoria objetiva de Bülow, segundo a qual o negócio jurídico funda-se na autonomia privada, no poder de autorregulamentação dos interesses que contêm a enunciação do preceito, independentemente do querer interno. É uma espécie de norma individual e concreta.
Todavia, o atual Código Civil estatui, no artigo 421, que a liberdade de contratar está limitada à função social do contrato.
Com isso, afastou-se da teoria objetiva já referida, ficando próximo da teoria subjetiva, mas mitigada pelas limitações da eticidade (artigos 113 e 187 ) e da boa-fé (artigo 112 ), adotando, em algumas oportunidades, os excertos da teoria da responsabilidade do declarante e da confiança.
Essa observação é feita por Judith Martins Costa e Gerson Luiz Carlos Branco: “Esse dispositivo está de acordo com a concepção de Emilio Betti, que separa a existência de uma autonomia privada da autonomia da vontade, colocando esta como um instrumento de atuação no âmbito daquela, mas com função específica dentro do ordenamento jurídico”.
O próprio Miguel Reale esclarece essa limitação que o novo Código Civil operou na autonomia da vontade: “Em um de seus pareceres Miguel Reale cita Emilio Betti para justificar ‘o sentido social do contrato’, e para afirmar que a declaração da vontade enquadra-se ‘como que em sua moldura natural, assumindo, em razão dos objetivos (vedute) da consciência social, a sua típica significação e relevo”. 
No mesmo sentido, entendimento de José Carlos Moreira Alves: “De outra parte, o novo Código Civil brasileiro, afastando-se do Código Civil de 1916, não conceitua o negócio jurídico, porém da disciplina que lhe dá verifica-se que não adotou a concepção objetiva ou preceptiva, que teve origem em Bülow , e é sustentada mais modernamente e com nuances diversas por Larenz e Betti, mas preferiu manter a concepção subjetiva que é mais consentânea com a realidade, porquanto dele surgem relações jurídicas, e não, propriamente, normas. Afastou-se, todavia, as mais das vezes, dos exageros a que conduz a concepção subjetiva lastreada na rígida observância do dogma da vontade, recorrendo, para isso, à concepção subjetiva mitigada pelos princípios da auto-responsabilidade do declarante e da confiança nessa declaração pelo seu destinatário” .

4.3. A importância da vontade

A vontade tem papel importante na formação do ato ou do negócio jurídico, como esclarece Clóvis Beviláqua , ao comentar o artigo 85 do Código Civil de 1916: “Este preceito é mais do que uma regra de interpretação. É um elemento complementar do conceito do acto jurídico. Affirma que a parte essencial ou nuclear do acto jurídico é a vontade. É a ella, quando manifestada de accôrdo com a lei, que o direito dá efficacia”.
Os alemães criaram algumas teorias para explicar o papel da vontade na formação do negócio jurídico.
A vontade pode ser interna ou externa, esta também chamada de vontade declarada. A seguir, veremos essas teorias.

4.4. Teoria subjetiva (willenstheorie): vontade interna coincidente com a vontade externa

Por essa teoria, que teve como adeptos Savigny e Windscheid, o negócio jurídico é constituído pela junção da vontade interna com a declaração de vontade.
É o que dispõe o artigo 112 do Código Civil Brasileiro (o Código Civil de 1916 tinha regra no mesmo sentido – artigo 85): “Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciadas do que ao sentido literal da linguagem”.
Orlando Gomes , escudado em Francesco Ferrara, esclarece-nos sobre a preponderância da vontade interna sobre a externa, dizendo: “Tal, em termos esquemáticos, a Wiilenstheorie, como a conceberam os pandectistas no começo de suas investigações. Deriva esse dogma, conforme esclarece Ferrara, de exagerada estimação do arbítrio humano, a que talvez não é estranha a influência das doutrinas jusnaturalistas do século XVIII, de homenagem incondicional à soberania e poder do indivíduo”.

4.5. Teoria objetiva (erklarungstheorie)

Contrapondo-se à teoria subjetiva da vontade, von Bülow concebeu a teoria objetiva da vontade, na qual predomina a declaração da vontade sobre a vontade interna. 
Sobre ela, diz Maria Helena Diniz : “... a grande maioria dos autores aceita a teoria objetiva de Bülow, segundo a qual o negócio jurídico funda-se na ‘autonomia privada’, ou seja, no poder de auto-regulamentação dos interesses que contém a enunciação de um preceito, independentemente do querer interno. Apresenta-se, então, o negócio jurídico como uma ‘norma concreta estabelecida pelas partes’”.

4.6. Teoria da confiança (affidamento ou vertrauenstheorie)

Essa teoria, explica Orlando Gomes teve por escopo abrandar a teoria da prelazia da declaração sobre a vontade, sob o fundamento de que o direito deve visar antes à certeza do que à verdade. Diz ele: “Havendo divergência entre a vontade interna e a declaração, o contraente de boa fé a respeito dos quais tal vontade foi imperfeitamente manifestada, tem direito a considerar firme a declaração que se podia admitir como vontade efetiva da outra parte, ainda quando esta houvesse errado de boa-fé ao declará-la. Enquanto, pois, um dos contratantes tiver razão para acreditar que a declaração corresponde à vontade do outro, há de considerá-la perfeita, por ter suscitado a legítima confiança em sua veracidade. Protege-se, desse modo, oferecendo-se maior segurança ao comércio jurídico, ao destinatário da relação jurídica, mas sob outros fundamentos que não os da Erklarungstheorie”. 
A teoria da confiança aproxima-se da teoria da declaração (objetiva), pois a declaração fica ligada à boa-fé ou à confiança nela depositada.
De acordo com ela, o importante é a boa ou a má-fé do destinatário da declaração, como observa Luís Cabral de Moncada : “De facto, ela é uma teoria eclética, abrangendo e combinando entre si as duas anteriores. Ora presta, umas vezes, preferente homenagem à ‘teoria da vontade real’, ora – e isso acontece num maior número de vezes – a presta à ‘teoria da declaração’, subordinando sempre, contudo a sua preferência por uma ou outra à intervenção dum factor estranho àquelas: a boa ou a má fé da pessoa a quem a declaração se dirige”.
Para a teoria da confiança são importantes a ética e a honestidade do comércio jurídico. Sacrifica-se o lógico pela moral, criando o princípio da responsabilidade do declarante por sua declaração.

4.7. Teoria da responsabilidade

Essa teoria procura estabelecer, dentro da teoria da declaração e da vontade real, o aspecto subjetivo, ao contrário da teoria da confiança, que faz inserir naquela o aspecto objetivo (boa ou má-fé).
Por ela, criou-se o princípio da responsabilidade subjetiva da pessoa que faz a declaração. É esta pessoa quem decide a preferência pela vontade real ou pela declarada.
Registre-se, mais uma vez, a opinião de Luís Cabral de Moncada sobre essa teoria: “Em vez de ser tal factor o princípio objectivo do respeito devido à boa fé das pessoas a quem as declarações de vontade são dirigidas, é o princípio da responsabilidade subjectiva das próprias que as fazem; é ele quem decide da preferência pela vontade real ou pela declarada. Quer dizer: em caso de divergência entre vontade real e vontade declarada, de duas uma: ou o declarante pode ser considerado responsável por essa divergência, ou não pode ser considerado tal”.

4.8. Teoria da culpa in contrahendo

Como visto, as teorias da confiança e da responsabilidade buscam um critério para dirimir a divergência entre a vontade real e a declarada.
A teoria da culpa in contrahendo, devida a Rudolf von Ihering, adota o critério de que todas as declarações de vontade nos negócios jurídicos deverão ser consideradas de certo modo eficazes, quer correspondam, quer não, a uma vontade real.
Segundo ele, toda pessoa que faz uma declaração com a qual pretende se vincular na prática de um ato jurídico deve saber o que faz e, portanto, fazer uma declaração capaz de produzir todos os seus efeitos.
Comentando essa teoria, Luís Cabral de Moncada diz: “Assim, deve essa pessoa, antes de tudo, certificar-se de que o que vai dizer é o que pensa e quer, e de que nenhum defeito existe nem no objecto da sua declaração nem na substância da sua vontade. Se isto não acontecer, se vier a haver uma divergência entre a sua vontade e a sua declaração, a culpa será do declarante. Ele terá então incorrido numa culpa, in contrahendo, e o resultado será ficar obrigado, responsabilizado, como que amarrado às consequências do acto praticado”.

4.9. A colaboração de Kelsen (teoria da imputação)

Em sua Teoria pura do direito, Hans Kelsen excluiu do estudo do direito os aspectos psicológicos e sociológicos. Disse: “Quando designa a si própria como ‘pura’ teoria do Direito, isto significa que ela se propõe garantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito e excluir deste conhecimento tudo quanto não pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa, rigorosamente, determinar como Direito. Isto quer dizer que ela pretende libertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos. Esse é o seu princípio metodológico fundamental”.
Com isso, eliminou, de pronto, as teorias subjetiva e objetiva da vontade a que nos referimos nos capítulos anteriores.
Para ele, interessa somente o que a lei imputa a um determinado efeito, vale apenas a vontade hipotética da lei.
Essa teoria não resolve o problema: deve ser aplicada a vontade real ou a declarada?
Luís Cabral de Moncada critica a teoria da imputação de Hans Kelsen, dizendo: “Mas por isso mesmo é que a atitude deste ilustre jurista nada resolve. Supondo que elimina o problema, apenas o afasta momentaneamente do que pode chamar-se um puro artifício de lógica. Ilude o problema. Na verdade, dentro desta orientação só vem a atender-se a uma ficção de vontade, que não é nem a vontade real psicológica nem a formal declarada, mas é apenas a imputação ou a projeção subjectiva dos efeitos da lei, igual à própria validade destes”.
Contudo, apesar das críticas de Luís Cabral de Moncada, o próprio Hans Kelsen dá a solução para o problema, quando, discorrendo sobre qual das vontades deve prevalecer (a interna ou a externa), diz: “A resposta à questão de saber qual das duas soluções do presente problema deve ser preferida depende dos princípios de política jurídica que determinam o legislador” .

4.10. A teoria da vontade jurídica de Luís Cabral de Moncada

Esse jurista português, após criticar as doutrinas anteriormente expostas, mas louvando-se nos ensinamentos kelsenianos (vide supra), estabelece um critério, que podemos denominar de vontade jurídica, aplicado a cada situação concreta, verificando, em primeiro lugar, se o negócio é válido em face dos princípios jurídicos. E, logo a seguir, verificando a vontade jurídica.
Em outras palavras, haverá vontade jurídica se o negócio for válido. Não haverá vontade alguma se ele for nulo.
Diz ele a respeito da sua teoria: “Portanto, vendo as coisas à face da lei positiva, aquilo com que o juiz primeiramente se deve preocupar quando se encontrar diante dum negócio jurídico viciado por uma divergência entre a verdadeira vontade e a declaração, para saber se os efeitos desta devem manter-se ou não (sobretudo se o negócio é um contrato), é com determinar se aí existe, ou não existe, uma ‘vontade jurídica’ como construção normativa feita pela lei, a sustentar a eficácia do acto; isto é, trata-se de determinar, em resumo, se o acto é válido ou não, passando dos factos à teoria e não da teoria aos factos. Para isso o juiz, que tem diante de si duas vontades (a real e a declarada), não tem de dar a priori, sistematicamente, preferência nem a uma nem a outra em nome de qualquer das teorias que expusemos. O que ele tem de procurar directamente é averiguar se há na lei, ou na ordem jurídica, algum princípio geral que possa exigir a manutenção e a eficácia do negócio jurídico, ou a sua destruição e ineficácia, contra ou a favor do declarante, nos termos da sua declaração e no caso de que se trata. Achado esse princípio, aplica-o sem se preocupar com nenhuma teoria geral sobre essa matéria”. 

4.11. A posição moderada do direito brasileiro

A respeito das teorias sobre a vontade reproduzimos a posição do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal José Carlos Moreira Alves: “De outra parte, o novo Código Civil brasileiro, afastando-se do Código Civil de 1916, não conceitua o negócio jurídico, porém da disciplina que lhe dá verifica-se que não adotou a concepção objetiva ou preceptiva, que teve origem em Bülow, e é sustentada mais modernamente e com nuances diversas por Larenz e Betti, mas preferiu manter a concepção subjetiva que é mais consentânea com a realidade, porquanto dele surgem relações jurídicas, e não, propriamente, normas. Afastou-se, todavia, as mais das vezes, dos exageros a que conduz a concepção subjetiva lastreada na rígida observância do dogma da vontade, recorrendo, para isso, à concepção subjetiva mitigada pelos princípios da auto-responsabilidade do declarante e da confiança nessa declaração pelo seu destinatário” .
Após análise da doutrina e jurisprudência nacionais acerca da influência da vontade interna sobre a vontade externa, Antonio Junqueira de Azevedo , de igual forma, concluiu pela posição equilibrada do direito brasileiro. Diz ele: “Em síntese, a posição do direito brasileiro a respeito das influências da vontade sobre a declaração é, a nosso ver, em seu conjunto, uma posição equilibrada; em cinco questões (declarações não sérias, simulação, interpretação, causa ilícita e erro), a legislação, ora abre largo campo para a pesquisa da vontade interna, ora o restringe. Ainda que sobre as duas questões mais controvertidas (interpretação e erro) se possa dizer que o Código Civil adotou a teoria da vontade, a verdade é que doutrina e jurisprudência se encarregaram de lhe diminuir os excessos. Diante dos outros direitos da família romano-germânica, o direito brasileiro ocupa, portanto, no tema do papel da vontade sobre a validade e a eficácia do negócio, uma posição bastante moderada”. 
Acreditamos que essa posição moderada do direito brasileiro revela a aplicação da teoria da vontade jurídica sugerida por Luís Cabral de Moncada, com a qual concordamos.

5. O entendimento jurisprudencial a respeito da aplicação do INCC

Da análise dos tribunais brasileiros, verificamos que majoritariamente eles têm entendido ser legal o reajuste dos contratos imobiliários pelo INCC.
O Tribunal de Justiça de São Paulo considera que a cláusula de correção monetária constitui um mecanismo para a preservação do valor da moeda e para essa correção é perfeitamente possível à utilização do INCC .
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, da mesma forma, considera legal a fixação do INCC durante a construção do imóvel .
O Extinto Tribunal de Alçada de Minas Gerais, igualmente, considerou válida a cláusula de contrato de compra e venda de imóvel financiado ser reajustada pelo INCC .
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal decidiu que a simples eleição do INCC como índice corretor das prestações em contrato de compra e venda não é ilegal .
Da mesma forma, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entende que o INCC é um índice regular na fixação dos contratos imobiliários .
O Superior Tribunal de Justiça tem da mesma forma, sufragado a legalidade da aplicação do INCC para os contratos de construção de imóveis, especialmente quando o imóvel está em fase de construção .
O que não é possível, é a fixação do INCC para reajustes de valores após o término dos imóveis construídos, como sinalizou o mesmo Superior Tribunal de Justiça .

6. Conclusões

Em face do que expusemos concluímos que o Índice Nacional da Construção Civil (INCC) é legal, e se contratato, é perfeitamente legal podendo corrigir as prestações de imóveis durante sua construção.
No mesmo sentido, o entendimento de Leonardo Henrique Mundim Moraes Oliveira, advogado e professor do Centro Universitário de Brasília: “Conclui-se, do exposto, que a adoção contratual do Índice Nacional de Custos da Construção Civil (INCC) como fator de correção de prestações do adquirente, durante o período da produção imobiliária (construção), é plenamente cabível e legalmente respaldada. Provindo do trabalho de entidade idônea e objetivando o equilíbrio comutativo entre as partes, entendemos que tal índice merece inteira aplicabilidade no âmbito do dinâmico mercado imobiliário nacional” .

Sorocaba, dezembro de 2010.

Haroldo Guilherme Vieira Fazano