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De acordo com o artigo 14 da Lei de Anistia, em 28 de agosto de 1979, 158º ano da Independência e 91º ano da República, os autores de crimes políticos ou conexos com estes, ou de crimes eleitorais, cometidos durante o trágico período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, foram perdoados.
No contexto histórico desse pacto, a democracia buscava uma conciliação com os totalitaristas, de modo que a mencionada lei veio para acalmar os ânimos e reduzir os atritos políticos da época, buscando-se uma pacificação em âmbito nacional e atendendo a um anseio geral de melhor governabilidade.
A OAB, através da propositura da ADPF 153 (único meio possível para se provocar o controle de constitucionalidade concentrado de lei anterior à Constituição Federal de 1988), propôs uma interpretação mais clara do artigo 1º da Lei de Anistia de forma que o perdão concedido aos autores de crimes políticos e seus conexos (de qualquer natureza) não se estendesse aos crimes comuns praticados por agentes públicos acusados de homicídio, desaparecimento forçado, abuso de autoridade, lesões corporais, estupro e atentado violento ao pudor contra opositores do regime ditatorial.
A ADPF 153 visava a uma interpretação conforme a constituição da Lei de Anistia, adequando-a à CF pela técnica hermenêutica, mormente no tocante aos dispositivos previstos no artigo 5º, incisos III e XLIII da Constituição Federal, sem falar nos demais direitos individuais conquistados no decorrer das gerações. 
O STF decidiu: por 7 votos a 2, legitimou as barbáries acontecidas naquele período e perdoou os crimes de tortura que, por natureza, são insuscetíveis de anistia, de acordo com a própria dicção do texto constitucional.
Em que pese as considerações tecidas pelos Ministros Eros Grau, Gilmar Mendes, Carmen Lúcia, Ellen Gracie, Celso de Mello e Cezar Peluso, não vislumbramos qualquer possibilidade de referida decisão não ter sido contrária à Constituição de 1988.
Como bem anotaram os Ministros Ayres Brito e Lewandowski, dissidentes da corrente majoritária que votou pela improcedência da ADPF 153, deveria ficar a critério do juízo competente a análise do caso concreto, para definir se o crime cometido foi político ou se foi crime comum. Neste último caso, seria afastada a anistia e emergiria a responsabilidade criminal do autor.
O Ministro Ayres Brito ainda salientou que os torturadores violaram até mesmo o ordenamento jurídico vigente àquela época, e acrescentou que o torturador não comete crime político ou de opinião. É um monstro, um desnaturado, um tarado. É aquele que experimenta o mais intenso dos prazeres diante do mais intenso dos sofrimentos alheios perpetrados por ele”.
De outra banda, o Ministro Peluso defendeu que só uma sociedade superior qualificada pela consciência dos mais elevados sentimentos de humanidade é capaz de perdoar. Uma sociedade que queira lutar contra os seus inimigos com as mesmas armas, instrumentos e sentimentos está condenada ao fracasso”.
Com a devida vênia dos Ministros vencedores, o perdão dos crimes comuns ocorridos no período do regime militar não merece prosperar. A impunidade não pode ser acobertada por interpretações judiciais que desmerecem os tão consagrados (ou nem tanto) princípios fundadores do Direito. 
A vida, a dignidade da pessoa humana, a honra, a liberdade, a livre manifestação do pensamento, dentre outras garantias, não podem ser assim, afastadas de plano, sob a argumentação de que a sociedade não pode se voltar contra os seus inimigos com as mesmas armas que outrora tiveram os canos fumegantes apontados para si.
Não se trata de vingança. Trata-se de punição a crimes hediondos, imprescritíveis, que amordaçaram a sociedade brasileira por anos a fio através da coação física e moral, destruíram famílias inteiras, violando a principal norma do Direito, que é o bom senso.
O mero repúdio desses atos não supre a impunidade que a decisão acarreta.
Com a decisão desfavorável, perde a OAB, perdem os Ministros Ayres Brito e Lewandowski, perde a sociedade, perde o bom senso e, mais uma vez, vence a impunidade, agora legitimada pelo Supremo Tribunal Federal em decisão irrecorrível, por força do artigo 12 da Lei 9.882/99. 
Ah, e vencem também os homicidas, torturadores, criminosos comum em geral daquela lamentável época, que, se injustiçados com uma eventual persecução criminal de algum órgão desinformado, poderão propor Reclamação junto ao Supremo Tribunal Federal, tudo por força do artigo 13 da Lei 9.822/99 , o qual certamente fará valer a decisão proferida na ADPF 153.

Sorocaba, 30 de abril de 2010

Raphael Augusto Almeida Prado